O sujeito cerebral e o movimento da neurodiversidade
Francisco Ortega
Introdução
O termo neurodiversidade foi cunhado pela socióloga australiana e portadora
da síndrome de Asperger Judy Singer, em 1999, em um texto com o sugestivo
título de Por que você não pode ser normal uma vez na sua vida? De um
“problema sem nome” para a emergência de uma nova categoria de diferença
(Singer 1999). Mas o que é a neurodiversidade, quem são os indivíduos que
se referem a esse termo como critério de identificação?
Como lemos no início, “neurodiversity” — “neurodiversidade” — em
Wikipedia e nas dúzias de sites dedicados ao movimento,1 é um termo que
tenta salientar que uma “conexão neurológica” (neurological wiring) atípica
(ou neurodivergente) não é uma doença a ser tratada e, se for possível, curada.
Trata-se antes de uma diferença humana que deve ser respeitada como
outras diferenças (sexuais, raciais, entre outras). Os indivíduos autodenominados
“neurodiversos” consideram-se “neurologicamente diferentes”, ou
“neuroatípicos”. Pessoas diagnosticadas com autismo, e mais especificamente
portadores de formas mais brandas do transtorno — os chamados autistas de
“alto funcionamento” — freqüentemente diagnosticados com a síndrome de
Asperger, são a força motriz por trás do movimento. Para eles, o autismo não
é uma doença, mas uma parte constitutiva do que eles são. Procurar uma cura
implica assumir que o autismo é uma doença, não uma “nova categoria de
diferença humana”, usando a expressão de Singer (1999:63).
Para a socióloga australiana (Singer 1999), o aparecimento do movimento
de neurodiversidade tornou-se possível por vários fenômenos: principalmente
a influência do feminismo, que forneceu às mães a autoconfiança necessária
para questionarem o modelo psicanalítico dominante que as culpava pelo
transtorno autista dos filhos; a ascensão de grupos de apoio aos pacientes
e a subseqüente diminuição da autoridade dos médicos, possibilitadas, sobretudo,
pelo surgimento da Internet, que facilitou tanto a organização dos
O sujeito cerebral e o movimento 478 da neurodiversidade
grupos, como a livre transmissão de informações sem mediação dos médicos;
finalmente, o crescimento de movimentos políticos de deficientes, movimentos
de autodefesa e auto-advocacia de deficientes, especialmente de surdos, que
estimulou a auto-representação da identidade autista.
Se a neurodiversidade ou a “neuroatipicidade” é uma doença, então a
“neurotipicidade” também o é, argumentam os adeptos do movimento. Nesse
sentido, vale a pena conferir na web o irônico site do Instituto para o estudo
dos neurologicamente típicos (Institute for the Study of the Neurologically
Typical) (http://isnt.autistics.org). O autor do “instituto” confessa que criou
o site como expressão do “ultraje autista”, depois de conferir que aquilo que
é escrito por “especialistas” e “profissionais” sobre o autismo é “arrogante,
insultante e simplesmente errado”. No site, a “síndrome neurotípica” é tida
como “um transtorno neurobiológico caracterizado pela preocupação com
questões sociais, delírios de superioridade e obsessão pela conformidade.
Além disso, os indivíduos neurotípicos (NT) “freqüentemente assumem que
sua experiência do mundo é a única ou a única correta. Neurotípicos acham
difícil ficar sozinhos e, em geral, são aparentemente intolerantes às menores
diferenças nos outros”.
O objetivo deste site é, obviamente, desconstruir a retórica pró-cura
presente, como veremos ao longo deste artigo, em muitas organizações
de pais de filhos autistas e profissionais. Visa-se mostrar que o absurdo de
tentar curar ou diagnosticar a “normalidade” — que aparece aqui na versão
cerebral de “neurotipicidade” — é semelhante ao absurdo de se buscar curar
o autismo. Por que nos chocariam as tentativas de curar a “neurotipicidade”
(possibilidade apresentada ironicamente no site), enquanto aceitamos sem
pensar a retórica pró-cura de associações como Cure Autism Now, Defeat
Autism Now ou Autism Speaks que, no fundo, defendem uma determinada
“normalidade” ou “tipicidade” cerebral? Curar um neurotípico seria o mesmo
que curar um indivíduo gay, negro, canhoto ou autista, afirmam os defensores
da neurodiversidade. Para eles, o autismo não é como um câncer que deva
ser curado, estando mais para as tentativas de corrigir a sinistralidade ou a
homossexualidade (Harmon 2004a, 2004b, 2004c). Assumir o autismo como
diferença libera os indivíduos do desejo ou da necessidade da cura, o que
resulta muito importante em uma época na qual existem grandes chances
de dispormos, em breve, de testes genéticos que poderão impedir crianças
autistas de nascer.
Em torno dos padrões autísticos de pensamento e de interesses, vem aumentando
o número de páginas da internet que exprimem a “cultura autista”
no seio do movimento da neurodiversidade. Ao clicarmos o termo “cultura
autista” e “neurodiversidade” no Google, encontramos uma quantidade
O sujeito cerebral e o movimento da neurodiversidade 479
enorme de sites que afirmam a identidade autista (e mais especificamente
Aspie, em referência à síndrome de Asperger) e celebram essa subcultura.
Eles incluem desde indicações de literatura de ficção e especializada sobre
os mais variados aspectos do espectro do transtorno até organizações de
apoio, blogs e mecanismos de chat que facilitam a interação entre autistas,
esclarecem elementos do transtorno, ajudam a compartilhar experiências e
até mesmo a encontrar amigos ou futuros companheiros e cônjuges. Para a
famosa autista Temple Grandin, o casamento entre autistas é natural, visto
que “os casamentos funcionam melhor quando duas pessoas com autismo
se casam ou quando a pessoa se casa com um deficiente ou com um parceiro
excêntrico... Eles se atraem porque seus intelectos trabalham em um
comprimento de onda similar” (apud Silberman 2001).
O objetivo fundamental dos movimentos é promover a conscientização
e o empowerment da cultura autista, o que inclui a comemoração do “Dia
do Orgulho Autista” (Autistic Pride Day) que, inspirado no Dia do Orgulho
Gay, é festejado no dia 18 de junho como celebração da neurodiversidade dos
autistas.2 Desde 2005 o “Dia do Orgulho Autista” teve os seguintes temas:
“Aceitação, não cura” (2005); “Celebrando a neurodiversidade” (2006); “Autismo
fala. É hora de escutar” (2007). No Brasil, o recém-criado movimento
Orgulho Autista Brasil integra uma rede de países que comemora a neurodiversidade
nessa data (Lage 2006; Caversan 2005). Prova disto é o fato de que
o principal evento mundial do “Dia do Orgulho Autista” de 2005 foi realizado
em Brasília. Na contramão, encontram-se, também no Brasil, as associações
de pais e profissionais que buscam a cura para o autismo. As mais conhecidas
são AMA (Associação de Amigos de Autistas: www.ama.org.br), AUMA
(Associação de Amigos da Criança Autista: www.autista.org.br).3
A proliferação nos últimos anos dos movimentos da neurodiversidade e o
aumento de sua exposição na mídia têm intensificado o embate político entre
os ativistas do movimento autista e as organizações de pais e profissionais
dos grupos pró-cura.4 Recentemente, os debates subiram de temperatura de
forma vertiginosa. Em 2004, a publicação por Amy Harmon de uma série de
artigos no New York Times sobre a neurodiversidade deu grande visibilidade
ao movimento (Harmon 2004a, 2004b, 2004c). Neles, é apresentada a posição
dos ativistas autistas que consideram o autismo como parte essencial do que
eles são e se opõem à cura. Apesar de fazer referência também às críticas
de pais e especialistas ao movimento, os artigos provocaram uma série de
depreciações dos movimentos pró-cura e de pais de crianças autistas.
Numa emotiva carta aberta ao New York Times, Kate Weintraub, mãe de
uma criança autista, critica a parcialidade da visão apresentada como favorável
à neurodiversidade. Sua posição pode ser resumida na frase “Autismo
O sujeito cerebral e o movimento 480 da neurodiversidade
é um transtorno, não é um estilo de vida ou apenas um jeito diferente de
ser” (Weintraub s/d). Ela também se refere às acusações de alguns ativistas
autistas que culpabilizam os pais pela situação dos filhos, os quais deveriam
ser, para os mais radicais, afastados dos genitores. Os pais são “ridicularizados
como ‘obcecados pela cura’ (curebies)5 e retratados como escravos
da conformidade, tão ansiosos para que seus filhos pareçam normais que
eles não conseguem respeitar sua forma de comunicação” (Harmon 2004c).
Essas observações provocaram a ira de Weintraub e de outros membros dos
movimentos pró-cura, para quem os ativistas “não deveriam falar como se
meus filhos fossem como eles e necessitassem ser salvos de seus pais” (Weintraub
s/d). Embora os movimentos autistas possuam uma retórica claramente
antipsicanalista, ecoam em algumas afirmações o tom “culpabilizante”
que caracteriza a visão psicanalítica sobre o autismo (Dolnick 1998). Se a
psicanálise acusava os pais de crianças autistas de serem frios, obsessivos
e mecânicos no tipo de atenção dada aos filhos,6 o movimento de autistas
acusa-os de serem intolerantes com seu modo de ser (neuro)diferente, de não
amá-los do jeito que eles “são” e de quererem falar em nome deles. Assim,
os pais não estariam aflitos por causa do autismo do filho, mas pela perda do
filho que esperavam e esperam poder ter (Sinclair 1993). A “parentectomy”
proposta por Bettelheim ecoa nas acusações do movimento autista.
Um dos pontos mais conflitantes diz respeito à terapia cognitiva ABA
(Análise Comportamental Aplicada — Applied Behavior Analysis), que para
muitos pais constitui a única terapia que permite às crianças autistas realizarem
algum progresso no estabelecimento de contato visual e em certas
tarefas cognitivas. Para os ativistas autistas, a terapia reprime a forma de
expressão natural dos autistas (Dawson 2004). A questão é acirradamente
debatida no mundo anglo-saxão, já que muitos pais estão lutando na Justiça
para conseguir que governos e companhias de seguros de saúde paguem
pela terapia, cujo custo é muito elevado. Desse modo, os argumentos defendidos
pelos movimentos da neurodiversidade de que o autismo não é
uma doença e as tentativas de cura são uma afronta aos autistas, e podem
fornecer razões para que seja recusado o financiamento das terapias. Este
fato provoca a irritação de pais e profissionais que lutam pela implantação
e pelo custeio público das terapias.
O assunto chegou aos tribunais. Várias famílias canadenses entraram
em 2004 com uma ação judicial argumentando que o governo deveria pagar
a terapia ABA para seus filhos por ser “medicamente necessária”. Trata-se
do caso Auton vs. British Columbia. Michelle Dawson, ativista autista canadense,
7 questionou a ética da terapia ao ser chamada como testemunha.
Este depoimento foi citado pela Suprema Corte canadense na sua decisão
O sujeito cerebral e o movimento da neurodiversidade 481
contra as famílias de filhos autistas.8 Situações como essas vêm elevando
enormemente a temperatura do debate. De um lado, as famílias de autistas e
suas lutas por acesso aos tratamentos e às terapias comportamentais — que
implicam reconhecer o autismo como uma doença (principalmente com
causas genéticas e/ou cerebrais) — para as quais os movimentos de autistas
com sua retórica anticura e pró-neurodiversidade representam um ultraje
às suas reivindicações. De outro lado, os ativistas autistas que consideram
as terapias pró-cura um passo adiante na negação e na intolerância da diferença
e da (neuro)diversidade e na implantação de políticas eugênicas e
genocidas. Vejamos estes aspectos mais pormenorizadamente.
Autismo: doença ou diferença?
O historiador Charles Rosenberg observa que “entidades patológicas
se tornaram atores sociais indiscutíveis, reais na medida em que temos
acreditado neles e agido individualmente e coletivamente a partir dessas
crenças” (2002:240). Ele chama a atenção para o “poder e [a] capacidade
de penetração das entidades patológicas” e suas aparentes “estruturas
neutras” (value-free frameworks) (2002:246). Estamos nos acostumando, no
decorrer das últimas décadas, a negociar em público o estatuto nosológico de
numerosas doenças psiquiátricas, a maioria das quais possui uma natureza
problemática. Talvez o caso mais gritante dos debates acerca da legitimidade
epistemológica de uma categoria de doença psiquiátrica tenha acontecido
no início dos anos 1970, quando a Associação de Psiquiatria Americana
decidiu votar pela inclusão ou não da categoria de homossexualidade por
ocasião de uma revisão do DSM.9 Trata-se de uma doença ou de uma escolha?
E se é uma doença legitimada (com uma subseqüente base biológica), como
pode ser decidido por voto o seu estatuto ontológico? (Rosenberg 2002, 2006;
Russo & Venâncio 2006; Russo 2005; Russo & Henning 1999).
Os conflitos acerca do estatuto ontológico e a conseqüente legitimidade
social de doenças e transtornos mentais e as decisões acerca da etiologia, do
diagnóstico e da terapêutica têm sido endêmicos na história da psiquiatria
nos últimos cento e cinqüenta anos (Rosenberg 2006). Embora não exista
consenso sobre numerosas doenças psiquiátricas, o fato de serem nomeadas
como doenças constitui uma forma de poder e utilidade social. O diagnóstico
e a eventual inclusão nos DSMs evidenciam que “a presumida existência
de entidades patológicas ontologicamente reais e definidamente específicas
constituiu o princípio-chave que organiza quais decisões clínicas particulares
poderiam ser tomadas racionalmente” (Rosenberg 2002:239).
O sujeito cerebral e o movimento 482 da neurodiversidade
Vejamos o caso do autismo: mesmo sendo reconhecido como entidade
nosológica em 1980 pelo DSM-III (e a síndrome de Asperger em 1994 pelo
DSM-IV), os transtornos do espectro autista vêm se tornando “categorias
problemáticas”, usando a expressão de Rosenberg (que a emprega para falar
de “gender identity disorder”, “attention déficit and hiperactivty disorder”,
“social anxiety disorder” e “premestrual síndrome”, entre outras). É o estatuto
ontológico do autismo que está sendo disputado: doença para uns,
exemplo da diversidade do cérebro humano para outros.
Nos anos 1940 a 1960 predominaram as explicações psicanalíticas do
autismo na teoria e na clínica psiquiátrica. De Leo Kanner (1943), no seu artigo
seminal, “Os distúrbios autísticos do contato afetivo”, até Bruno Bettelheim,
Margareth Mahler e Francis Tustin, o autismo foi compreendido em termos
de falhas no estabelecimento das relações objetais precoces do indivíduo,
especialmente com os pais. Isto não quer dizer que ainda hoje não existam
explicações psicanalíticas do transtorno autista, predominantemente do campo
lacaniano. No entanto, é inegável que desde os anos 60 vem sendo produzido
um deslocamento para explicações orgânicas, especialmente cerebrais, do
transtorno, culminando em 1980 com a inclusão do autismo na rubrica de
Transtornos Abrangentes do Desenvolvimento, separando-se definitivamente
do grupo das psicoses infantis, na terceira edição do DSM (DSM-III).
O deslocamento do modelo psicanalítico e a aproximação com as
neurociências possibilitaram que os pais fossem desresponsabilizados e
desimplicados dos destinos subjetivos dos filhos (Dolnick 1998), abrindo
caminho para a sua organização em associações que buscam a cura do
transtorno e a implantação de terapias cognitivas e comportamentais. Para
eles, o transtorno autista é uma doença com uma etiologia orgânica (principalmente
cerebral e/ou genética). O estatuto orgânico do autismo legitimou
o movimento. Na frase feliz de Rosenberg, “legitimidade social pressupõe
identidade somática” (2006:414). Porém, o transtorno continua sendo uma
categoria problemática, pois não existe consenso nem em relação à etiologia
do transtorno, nem acerca da intervenção clínica mais adequada (Feinberg
& Vacca 2000).
Do ponto de vista dos ativistas autistas, as terapias constituem atentados
contra a diferença e a diversidade do cérebro humano. Além disso, a
possibilidade de em breve dispormos de um teste genético para detectar o
risco de autismo em um feto ou embrião pode abrir a porta para que pais
tenham a opção de impedir o nascimento de um filho, mesmo com as formas
mais brandas do transtorno (como é a síndrome de Asperger). Nesse sentido,
Arthur Caplan (2005), diretor do Center for Bioethics da Universidade
de Pennsylvania, publicou em 2005 um artigo com o provocativo título de
O sujeito cerebral e o movimento da neurodiversidade 483
“Você teria permitido que Bill Gates nascesse?” (“Would you have allowed
Bill Gates to be born?”), no qual sublinha o fato freqüentemente observado
que Gates apresenta muitos traços de personalidade dos portadores da síndrome
de Asperger, pretendendo com isso chamar a atenção para os riscos
envolvidos nos testes genéticos.
Obviamente, o espectro do transtorno autista é muito amplo, abarcando
desde os casos “de alto funcionamento”, como (presumivelmente) Bill Gates,
o filósofo Ludwig Wittgenstein e o pianista Glenn Gould, até os “de baixo
funcionamento”, crianças e adultos com retardo mental e severos comprometimentos
cognitivos e funcionais. A meu ver, este fato nos coloca diante
de importantes dilemas éticos e sociopolíticos. A questão é dupla: permitirá
o teste genético estabelecer as sutilezas necessárias para definir claramente
em que ponto do espectro autista o feto e/ou o embrião se encontra? Mas ao
mesmo tempo, se se trata de um espectro, ou seja, um contínuo, qual deve
ser o ponto de corte a determinar o nível em que o grau de comprometimento
cognitivo é aceitável, mas para além dele se justificaria o aborto?
Em poucas palavras, permitirá o teste genético diferenciar os autistas de
“baixo” daqueles de “alto” funcionamento? Isto sem mencionar que, mesmo
nos casos mais severos de autismo, não existe consenso a respeito do aborto
dessas crianças, como não existe de fato em relação à síndrome de Down e
a outras doenças e transtornos.
Para os ativistas do movimento autista, trata-se de um risco de genocídio
que deve ser combatido. Abortar um feto autista seria como abortar um feto
homossexual ou canhoto (caso fosse possível detectar essas características
geneticamente). Os testes pré-natais constituem uma verdadeira ameaça eugênica
que visa ao aborto dos neurodivergentes. Dada a tecnologia, pergunta
Susanne Antonetta, autora de A mind apart. Travels in a neurodiverse world,
diagnosticada com transtorno bipolar: “Escolheríamos apenas crianças perfeitas?
Perfeitas para os olhos de quem? Nossa cultura?” (Antonetta 2005:92).
A gravidade da situação levou a que ativistas do movimento entrassem em
2004 com uma petição nas Nações Unidas exigindo que, diante das ameaças,
fossem reconhecidos como “grupo social minoritário”, que merece proteção
perante a “discriminação” e o “tratamento inumano”. Eles se consideram
uma minoria, uma cultura diferente com padrões de comunicação e hábitos
diferentes (Nelson 2004).
Vale a pena ressaltar um elemento comum aos movimentos pró-cura e
anticura. Apesar de se encontrarem num feroz embate, ambos os movimentos
compartilham a recusa às explicações psicanalíticas “culpabilizantes”.
O deslocamento do paradigma psicanalítico para o cerebral possibilitou a
organização dos dois grupos antagônicos. Para os pais de autistas, recusar a
O sujeito cerebral e o movimento 484 da neurodiversidade
culpa pela doença dos filhos e a denúncia dos excessos da psicanálise está
na base das primeiras associações que visam, como foi ressaltado, buscar
formas de cura orientadas basicamente para a terapia comportamental e os
tratamentos farmacológicos. Todavia, os anseios dos pais de autistas convergem
com as explicações psicanalíticas que tratam o autismo como uma
doença e/ou uma deficiência, embora se inclinem para explicações genéticas
e/ou cerebrais do transtorno que exigem tratamentos farmacológicos e
comportamentais, e não psicodinâmicos.
Os movimentos de autistas surgem, por sua vez, como recusa à visão
negativa do autismo difundida pelas explicações psicanalíticas de Kanner,
Bettelheim e outros, que focalizam a incapacidade e a deficiência. Eles convergem
(nas suas posições mais radicais), no entanto, com as explicações
psicanalíticas, segundo as quais as crianças autistas deveriam ser afastadas
dos pais.10 A despeito das posições antagônicas de ambos os grupos em relação
a considerar o autismo como doença a ser tratada ou diferença a ser
tolerada e celebrada, a superação das explicações psicologizantes (psicanalíticas)
constitui uma forma de empowerment tanto para os grupos pró-cura,
como para os anticura. O cerebralismo do autismo é abraçado pelos dois
grupos, embora leve a posições políticas antagônicas. Aplica-se a ambos a já
citada observação de Rosenberg: “legitimidade social pressupõe identidade
somática” (2006:414).
Para os movimentos de pais de autistas, o cerebralismo desculpabiliza-
os pelo transtorno, apontando para uma causalidade concreta e objetiva
que possa ser usada para reivindicar verbas públicas para a pesquisa e o
tratamento de crianças autistas. Os movimentos de autistas, por sua vez,
servem-se das explicações cerebrais para destacar a diversidade e a singularidade
das conexões cerebrais, muitas das quais são neuroatípicas ou
neurodivergentes. Refletem a diversidade do cérebro humano, que não pode
ser tratada na polaridade normal/patológico ou doença/cura. Tolerância e
direito à diferença e à diversidade tomam o cérebro como referência. Como
observa Muskie, autor do mencionado site do Institute for the Study of the
Neurologically Typical e diagnosticado com a síndrome de Asperger:
Minha bête noire atual consiste em ter consideradas minhas emoções como
“rasas”. Como alguém com um conhecimento consideravelmente maior sobre
minhas emoções do que os “especialistas” (experts), posso declarar inequivocamente
que minhas emoções não são “rasas”. Pode ser que amanhã eu seja
descrito como “pouco empático”, ou serei ultrajado com um excepcionalmente
ignorante método “de treinamento” sendo infligido a crianças autistas, ou talvez
haja algum novo artigo escrito por algum especialista a partir da perspectiva de
O sujeito cerebral e o movimento da neurodiversidade 485
que a percepção neurotípica está correta e que meu cérebro é um erro genético
[...] Meu cérebro é uma jóia. Eu estou espantado com a mente que tenho. Eu
e minha experiência de vida não somos inferiores e podemos ser superiores à
experiência de vida dos neurotípicos (ênfase minha).11
Questões identitárias: ser ou ter autismo
As associações de pais de crianças autistas negam-se a reconhecer no autismo
uma questão de identidade. O autismo é uma doença, não um estilo
de existência ou uma marca identitária. As crianças não são autistas, elas
têm autismo, como escreve Keit Weintraub em resposta aos artigos de Amy
Harmon publicados no New York Times (2004a, 2004b, 2004c):
O fato de que meus filhos têm uma anormalidade no desenvolvimento não significa
que eu não os ame por quem eles são, como ela [Amy Harmon] insinua
tão incessantemente. Eu amo meus filhos, mas eu não amo o autismo. Meus
filhos não fazem parte de um grupo seleto de seres superiores denominados
“autistas”. Eles têm autismo, uma invalidez neurológica devastadora nas suas
implicações em suas vidas, se não for tratado [...] Em outras palavras, não é
mais normal ser autista do que é ter espinha bífida (Weintraub 2005).
Para os ativistas autistas, em contrapartida, o transtorno remete a uma
questão identitária. Autismo não é alguma coisa (uma doença) que se “tem”,
mas algo que se “é”. Não é a “concha” que aprisiona a criança normal. Não
podemos separar o transtorno do indivíduo e, se fosse possível, teríamos
um indivíduo com uma identidade diferente. O autismo é “impregnante,
colore cada experiência, cada sensação, percepção, pensamento, emoção
e encontro, todos os aspectos da existência”, escreve o ativista autista Jim
Sinclair (1993). Evidentemente, a posição no debate identitário determina
a posição em relação à busca pela cura e às terapias. À medida que os pais
de autistas falam de “ter” autismo e acolhem tentativas de cura e terapia,
os movimentos da neurodiversidade apostam no “ser” autista e se opõem
às tentativas de cura e às terapias cognitivas.
Como já foi assinalado, a identidade autista é vivenciada pela comunidade
autista com orgulho (e comemorada no 18 de junho, o “Autistic Pride
Day”). Alguns neurodivergentes usam o termo “gift” (dom) para se referirem
a condições como autismo ou transtorno bipolar (Antonetta 2005). Mesmo
os autistas de “alto funcionamento”, que não vivenciam o transtorno como
um “dom”, relatam com freqüência uma sensação de “conforto” ao obterem
O sujeito cerebral e o movimento 486 da neurodiversidade
o diagnóstico. “Finalmente uma explicação, finalmente uma razão para o
porquê e o como”, escreve John Carley ao ser diagnosticado com a síndrome
de Asperger (Shapiro 2005). O filósofo Ian Hacking (2006) fala de certo
tipo de paz resultante do diagnóstico de autismo; e Judy Singer remete aos
“benefícios de uma identidade clara” (Singer 1999:62) de “ser” autista.
A afirmação identitária é constantemente associada ao afastamento
das explicações psicológicas e das psicoterapias. Em listas de autistas,
encontramos relatos recorrentes sobre o tempo e o dinheiro perdidos em
sessões psicanalíticas ou psicoterápicas. O distanciamento do paradigma
psicológico e a aceitação das explicações neurológicas constituem uma forma
de auto-afirmação.12 Diante da “autoconsciência psicológica” (psychological
self-awareness), os autistas apostam na “autoconsciência neurológica”
(neurological self-awareness) (Singer 1999) e recusam o poder da psicologia.
Não é um problema de trauma ou conflito, mas de uma “conexão” (wiring)
cerebral diferente. Eles reclamam o direito de autodiagnóstico, e a preferência
pela neurologia representa um empowerment para a cultura autista,
que pode tomar as decisões por si. Graças à Internet, os autistas trocam todo
tipo de informações sobre o diagnóstico e os demais aspectos do transtorno
sem dependerem para isso do establishment médico.
Resulta em certo paradoxo que precisamente o cerebralismo do autismo
esteja na base da afirmação identitária dos autistas (“ser” e não
“ter” autismo). Além do fato de o deslocamento do modelo psicanalítico e
a aproximação das neurociências terem possibilitado que os pais fossem
desresponsabilizados e desimplicados dos destinos subjetivos dos filhos, a
biologização (e/ou a neurologização) da doença mental — seja ela autismo,
esquizofrenia, depressão, transtorno bipolar, dentre outras — leva a um
distanciamento subjetivo da doença, que é tratada mais ou menos como
qualquer doença física. O indivíduo é desresponsabilizado na medida em
que sofre um processo de distanciamento subjetivo da doença, a qual é desestigmatizada
por ser uma condição cerebral, já que para as explicações
psicodinâmicas “a doença mental está na sua mente e nas suas reações
emocionais a outras pessoas, é o seu ‘você’” (Luhrmann 2000:6).
Quando um psiquiatra de orientação biológica fala da depressão de
maneira semelhante àquela que um cardiologista fala de uma doença
cardíaca, produz-se um distanciamento subjetivo da doença, uma dessubjetivação.
O indivíduo tem esquizofrenia, ou transtorno bipolar, em vez de
ser deprimido, esquizofrênico e/ou psicótico. Assim como o indivíduo pensa
que tem uma doença cardíaca e não que ele é essa doença, no caso das
doenças mentais, a depressão ou a psicose aparecem escritas no corpo — e
mais especificamente no cérebro — nas descrições da psiquiatria biológica.
O sujeito cerebral e o movimento da neurodiversidade 487
As críticas feitas à psiquiatria biológica não devem impedir de reconhecer que
ela trouxe a desculpabilização de pacientes e familiares por suas psicoses,
seus transtornos alimentares, anorexia, autismo e esquizofrenia. Sirva como
exemplo as famílias de filhos esquizofrênicos que suportam financeiramente
as pesquisas de esquizofrenia que usam neuroimagem, isto é, uma abordagem
cerebral da doença (Dumit 2004). Para o paciente e seus familiares, é
mais fácil aceitar, por exemplo, o diagnóstico de transtorno bipolar do que
o de psicose maníaco-depressiva, pois no transtorno bipolar são enfatizados
os aspectos biológicos e cerebrais mais do que os psicológicos e os psicodinâmicos
que impunham uma marca identitária. O indivíduo não é mais
psicótico maníaco-depressivo, mas tem transtorno bipolar.
A doença mental como critério identitário aplica-se mais a modelos
psicológicos (ou psicanalíticos) e mentalistas do que a modelos fisicalistas/
cerebralistas oriundos da psiquiatria biológica ou das neurociências. Não é
o mesmo afirmar “há algo errado comigo” do que “há algo errado com meu
cérebro”. Ao passo que a doença mental diz respeito à identidade, o transtorno
cerebral diz respeito ao corpo (cérebro). Se for um problema do cérebro,
então o indivíduo não é culpado e, sobretudo, ele não é essa doença, ela
não define a sua identidade. Em face da psicologização da doença mental,
o cerebralismo pressupõe uma dessubjetivação. Ora, no caso dos movimentos
da neurodiversidade acontece exatamente o contrário: o cerebralismo
constitui uma marca identitária, uma identidade naturalizada — o indivíduo
é autista (e não tem autismo) — não pelo autismo ser uma doença mental,
mas precisamente porque é uma “conexão atípica” (atypical wiring) do cérebro.
Para esses grupos, autismo, transtorno bipolar, transtorno de déficit de
atenção, entre outros, constituem marcas identitárias não por serem doenças
mentais, mas por serem transtornos cerebrais, isto é, identidades biológicas,
bioidentidades ou, mais precisamente, neuroidentidades, que são a base da
formação de neurossociabilidades e neurocomunidades. Os movimentos da
neurodiversidade, especificamente a cultura autista, constituem exemplos
de formas de subjetivação cerebrais, de formação de neuroidentidades e
tipos de sociabilidade e comunidade, as neurossociabilidades, tomando o
cérebro como referência, como veremos adiante.
Nesse contexto de cerebralismo da identidade autista, não devemos
nos esquecer que ainda não existe consenso acerca da etiologia do autismo.
Embora psiquiatras, biológicos e neurocientistas venham procurando nos
últimos anos o “endereço cerebral” (brain address) do transtorno (Wickelgren
2005:1856) e considerem o autismo um transtorno biológico, mais especificamente
cerebral (Fombonne 2003; Freeman & Cronin 2002; Wing 1997) —
levando alguns a percebê-lo como um caso extremo do cérebro masculino
O sujeito cerebral e o movimento 488 da neurodiversidade
normal (Baron-Cohen 2002), não existe consenso nem sobre a etiologia,13
nem sobre a metodologia de intervenção clínica (Feinberg & Vacca 2000:131;
Newschaffer & Curran 2003). Para os autistas, por sua vez, não existe dúvida,
eles afirmam categoricamente o cerebralismo do transtorno.
Para Temple Grandin, talvez a autista mais famosa, “o autismo é um
transtorno neurológico. Uma criança nasce com isso. Isto é causado por um
desenvolvimento imaturo do cérebro — isso já foi verificado em estudos de
autópsias cerebrais — e não por má criação ou pelo ambiente” (apud Blume
1997). Ela também fez elogios entusiásticos na contracapa do livro de
Edward Dolnick, Madness on the couch. Blaming the victim in the heyday of
psychoanalysis, que constitui uma crítica feroz às explicações psicanalíticas
do transtorno. A posição da comunidade autista é clara: “autismo não é nem
uma deficiência física (corporal), nem uma doença mental: é uma deficiência
neurológica” (Dekker 2006). A cerebralidade do transtorno é assumida como
um fato pela comunidade autista, nunca é colocada em questão, aparecendo
já no termo (neuro)diversidade. Nesse aspecto, eles coincidem com as
associações de pais de autistas, os quais também privilegiam a etiologia
cerebral e genética do transtorno.
A divergência está mais para se considerar o autismo como um transtorno
cerebral ou uma diferença na wiring cerebral. Todavia, acredito que
essa preferência pelas explicações cerebrais não se reduza à aversão à psicanálise
e à cultura psicológica presentes em ambos os grupos. Deve ser
compreendida antes no contexto da neurocultura e do paradigma do sujeito
cerebral e no privilégio de formas de subjetivação cerebrais, como veremos
a seguir. Harvey Blume (1997) faz uma constatação semelhante ao afirmar
que o “autismo não é praticamente a única — nem de longe a principal —
razão para a atual escalada da neurologia. O contrário pode estar mais próximo
da verdade: a escalada da neurologia sustenta o motivo do aumento
da atenção que tem sido dada ao autismo”.
Sujeito cerebral e neurocultura
O contexto geral que permite compreender o surgimento e a difusão dos
movimentos de neurodiversidade é aquele da cultura somática ou da biossociabilidade,
14 mais especificamente, da neurocultura e do sujeito cerebral.
Entendo por biossociabilidade uma forma de sociabilidade apolítica constituída
por grupos de interesses privados, não mais reunidos segundo critérios de
agrupamento tradicional, como raça, classe, estamento, orientação política,
como acontecia na biopolítica clássica oitocentista analisada por Foucault
O sujeito cerebral e o movimento da neurodiversidade 489
(1976, 1997, 1999), mas sim segundo critérios de saúde, performances corporais,
doenças específicas, longevidade, entre outros. Na biossociabilidade
criam-se novos critérios de mérito e reconhecimento, novos valores com base
em regras higiênicas, regimes de ocupação de tempo, criação de modelos
ideais de sujeito baseados no desempenho físico. As ações individuais passam
a ser dirigidas com o objetivo de se obterem melhor forma física, mais
longevidade e/ou o prolongamento da juventude.
Na biossociabilidade, a vida psíquica é descrita segundo predicados
corporais. Todo um vocabulário fisicalista-reducionista é utilizado na descrição
de crenças, sentimentos, desejos, volições. Os atos psicológicos têm sua
origem em causas físicas e as aspirações morais do indivíduo são medidas
segundo performances corporais. Como conseqüência, concepções psicológicas
e internalistas de pessoa são deslocadas para a exterioridade, dando
lugar à constituição de identidades somáticas, as bioidentidades (Costa
2004; Ortega 2008). Esta acontece mediante toda uma série de recursos
reflexivos e de práticas de si, a bioascese, a qual reproduz no foco subjetivo
as regras da biossociabilidade, enfatizando-se os procedimentos de cuidados
corporais, médicos, higiênicos e estéticos na construção de identidades pessoais.
A distinção entre corpo e self tornou-se obsoleta nas bioidentidades.
O físico transformou-se em um signo cardinal do self, de uma maneira não
mais conseguida por meio de acessórios, tais como moda e cosméticos. As
práticas bioascéticas fundem corpo e mente na formação da bioidentidade
somática, produzindo um eu que é indissociável do trabalho sobre o corpo,
o que torna obsoletas antigas dicotomias, tais como corpo-alma, interioridade-
exterioridade, mente-cérebro.
Nesse processo de descrição da individualidade e da subjetividade em
termos corporais, o cérebro ocupa um lugar privilegiado. O espetacular progresso
das neurociências, o intenso processo de popularização pela mídia de
imagens, as informações que associam a atividade cerebral a praticamente
todos os aspectos da vida e certas características estruturais da sociedade
atual vêm produzindo, no imaginário social, uma crescente percepção do
cérebro como detentor das propriedades e autor das ações que definem o
que é ser alguém. Nas últimas décadas, precipitaram-se as condições para
o surgimento dessa nova figura antropológica. Entre elas, o fortalecimento
do cientificismo; o apagamento da política e das práticas sociais que faziam
apelo ao sujeito como autor de sua existência individual e coletiva; a emergência
de uma cultura da objetividade que valoriza a imagem em detrimento
da palavra e da interpretação; o mencionado deslocamento das regras de
socialização fundadas na interioridade sentimental em direção a uma cultura
da subjetividade somática; a explosão da tecnociência, das biotecnologias
O sujeito cerebral e o movimento 490 da neurodiversidade
e do consumo intensivo de produtos e serviços voltados para a otimização
do desempenho biológico como correlato das práticas de si, e assim por
diante. Como resultado, o cérebro responde cada vez mais por tudo aquilo
que outrora nos acostumamos a atribuir à pessoa, ao indivíduo, ao sujeito.
Inteiro ou em partes, o cérebro surgiu como o único órgão verdadeiramente
indispensável para a existência do self e para definir a individualidade.
Crenças, desejos e comportamentos são freqüentemente descritos em
um vocabulário cerebral ou neuroquímico, tal como encontramos no romance
de Jonathan Franzen — The corrections — que pode ser lido como
uma crítica à cultura terapêutica e ao cerebralismo das relações humanas.
Nikolas Rose (2003) define esse processo usando o termo “self neuroquímico”
(neurochemical self), isto é, a formação neuroquímica da pessoa.
O termo “sujeito cerebral” (Vidal 2005; Ortega & Vidal 2006, 2007;
Ehrenberg 2004) resume adequadamente a redução da pessoa humana ao
cérebro: a crença de que o cérebro é a parte do corpo necessária para sermos
nós mesmos, no qual se encontra a essência do ser humano, ou seja, a
identidade pessoal entendida como identidade cerebral. Indagar acerca do
sujeito cerebral é tentar responder à pergunta de por que a afirmação “eu
sou meu cérebro” tornou-se auto-evidente. O sujeito cerebral constitui uma
figura antropológica privilegiada na biossociabilidade. Vários historiadores
das neurociências ressaltam que o destaque dos conhecimentos neurocientíficos
e das descrições subjetivas segundo o vocabulário dos saberes
cerebrais, isto é, o cerebralismo da identidade pessoal, não ocupa um lugar
tão realçado na nossa cultura devido ao progresso alucinado das tecnologias
neurocientíficas (mais especificamente, de imageamento cerebral), ou
mesmo à importância do cérebro na localização de processos cognitivos
e emocionais (Hagner & Borck 2001). O cerebralismo da subjetividade
deve ser entendido no contexto da cultura das bioidentidades, na qual o
chamado “programa forte” das neurociências (Ehrenberg 2004) — aquele
que, fundindo neurociência e psiquiatria, identifica conhecimento de si e
conhecimento do cérebro, mente e cérebro, transformando o cérebro em ator
social — possui cada vez maior aceitação.
O sujeito cerebral dá lugar à aparição de práticas de si cerebrais, as
neuroasceses, isto é, discursos e práticas de como agir sobre o cérebro para
maximizar a sua performance, os quais levam à formação do que vou chamar
de neurossociabilidades e neuroidentidades. As neuroasceses incluem toda
uma literatura de best-sellers de auto-ajuda cerebral, a qual oferece desde
programas de exercícios para aumentar a performance e o poder cerebral,
prevenindo a decadência mental e combatendo demências, até a manipulação
do cérebro para promover estados alterados da consciência capazes de
O sujeito cerebral e o movimento da neurodiversidade 491
conectá-lo com as forças do universo e com uma inteligência superior, a Mente
Cósmica ou Divina (Ortega 2006). Numerosas empresas estão investindo nos
neuronegócios e desenvolvendo programas de computador e outros produtos
neuroascéticos para garantir o aprimoramento do cérebro. Algumas empresas
oferecem um “brain gym” completo para treinar os diferentes sistemas cognitivos:
visão, controle executivo, equilíbrio, mobilidade. As neurotecnologias
apresentam-se como um ramo extremamente promissor (Lynch 2004).
O objetivo é a formação de “selves objetivos”, de “autoconstituição
objetiva” (objective self-fashioning), usando a expressão de Joseph Dumit
(2004) para se referir ao processo de formação de um self objetivo, ou seja,
uma categoria de pessoa desenvolvida mediante conhecimento expert. É um
processo duplo: por um lado, as práticas da ciência da medicina e da tecnologia
formam selves mediante a experimentação científica, os exercícios de
taxonomia médica etc., isto é, produzem “fatos” que definem objetivamente
quem somos; por outro, os indivíduos formam seus próprios modelos de self
a partir dos fatos científicos. A noção de self objetivo remete a uma compreensão
da subjetividade que tem como ponto de partida discursos técnicos,
científicos e médicos sobre a objetividade, ou seja, exprime um oximoro, ao
juntar palavras de significados opostos, uma subjetividade objetivada, uma
forma de self, na qual a perspectiva fenomenológica e subjetiva da primeira
pessoa é reduzida à perspectiva em terceira pessoa exprimida mediante as
tecnologias médicas e os discursos e as práticas objetivantes.
Os indivíduos constituem a si mesmos objetivamente a partir da incorporação
em suas vidas de “fatos” sobre si mesmos — seus corpos, mentes,
cérebros. São “fatos objetivos” veiculados pela mídia que são incorporados
nas descrições de nós mesmos. Os jornais e as revistas de divulgação
científica, a televisão e o cinema difundem continuamente imagens que
insistem na associação entre o cérebro e a mente, a mente no cérebro.
A mídia capitaliza precisamente a potente familiaridade e a transparência
das imagens. O risco é grande, os limites entre as imagens entendidas como
representações de correlações ou de relações causais entre estados mentais
e estruturas cerebrais é ultrapassado com freqüência, sendo essas imagens
interpretadas como registros objetivos de estados emocionais e mentais.
Quando uma cultura como a nossa equaliza o estatuto cerebral com o estatuto
mental e com a própria personalidade, então as imagens se tornam
prejudiciais ao difundirem visões reducionistas e objetivizadas da pessoa
humana, os “selves objetivos”, com conseqüências severas em diversas
esferas socioculturais e clínicas.
Na sociedade contemporânea, é preciso levar em consideração diferentes
fatores na formação de “selves objetivos”, tais como o papel desemO
sujeito cerebral e o movimento 492 da neurodiversidade
penhado atualmente pela mídia, as tecnologias de visualização médica, o
programa “forte” das neurociências, a indústria de psicofármacos, entre outros.
15 Tampouco podemos esquecer o papel fundamental da cultura somática,
na qual, como foi ressaltado, as formas de subjetivação corporais ocupam
cada vez mais o lugar de formas internalistas e intimistas de construção e
descrição de si, próprias de culturas mais psicológicas. Isto faz uma grande
diferença, criando um contexto cultural propício para as formas de subjetivação
favoráveis e para a constituição de neuroidentidades, fornecendo à
neurossociabilidade (que inclui os movimentos de neurodiversidade) uma
visibilidade crescente.
Na cultura somática da biossociabilidade, a neurossociabilidade está
ocupando um espaço cada vez maior. Encontramos, por um lado, todo um
mercado crescente de produtos, entre os quais se incluem best-sellers de
auto-ajuda cerebral, softwares e programas de brain-fitness para o computador
que constituem verdadeiras “academias para o cérebro” (brain gyms),
vitaminas e todo tipo de suportes alimentares para aprimorar a performance
cerebral (Brownlee 2006a, 2006b, CBS 2006; Singer 2005; Ortega 2006).
Por outro lado, o sujeito cerebral vem se tornando um critério biossocial de
agrupamento, como podemos constatar no surgimento, entre outros, de:
a) Grupos que se reúnem para testar as performances cerebrais, como se
depreende da existência de “clubes do cérebro”, “campeonatos mundiais de
memória” e “olimpíadas de esportes da mente”, promovidos pelo empresário
Tony Buzan, criador dos mapas mentais e autor de numerosos best-sellers de
auto-ajuda cerebral.16 Neles, os cérebros são submetidos a verdadeiras competições
mentais, que incluem desde jogos mentais clássicos a exercícios para medir
pensamento criativo, velocidade de leitura ou cálculos mentais e de memória.
b) Neurocomunidades como a Braingle Community,17 orientada para
um público adolescente, e que abrangem fóruns de discussão, “talk boxes”
que permitem conversas privadas, e serviço de “live chat”. Os neurousuários
podem fazer observações sobre assuntos cerebrais, comentar os novos jogos,
puzzles e “Brain Teasers”, visando promover a atividade cerebral. Ao mesmo
tempo, a comunidade tem acesso a todo um “mercado” cerebral. Uma indústria
“neuro” está surgindo para compras on-line, e ela não só inclui livros,
jogos, videogames, mas também camisetas, bonés, canecas, mousepads,
neurocalendários e outros artigos que ajudam a delinear a identidade coletiva
das novas neurocomunidades. Nesse sentido, os recursos para crianças são
descomunais, como podemos constatar ao se digitar a expressão “neuroscience
for kids” em qualquer mecanismo de busca na internet.
c) Grupos de apoio para portadores de diferentes doenças e transtornos
neurodegenerativos e seus familiares, tais como doença de Alzheimer,
O sujeito cerebral e o movimento da neurodiversidade 493
esquizofrenia, doença de Parkinson, esclerose múltipla, Transtorno de
Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), demência Frontotemporal
(Frontotemporal Dementia — FTD), Doença de Huntington (Hungtinton
Disease), entre outros. As funções e os objetivos desses grupos são diferentes,
atendendo também às especificidades das diversas doenças e dos
transtornos, contemplando atividades que vão desde palestras e troca de
informação e experiências até exercícios, serviços religiosos ou ajuda psicológica.
Intervenções psicossociais variadas e troca de experiências podem
se dar em encontros regulares ou por meios virtuais, como Internet, com
o uso de videoconferências, comunidades no yahoo, orkut, entre outros.18
As associações de pais de autistas e grupos pró-cura inserem-se neste contexto.
Os grupos da neurodiversidade têm também elementos em comum com
esses grupos no nível de organização e de sociabilidade, embora divirjam
em outros aspectos, especialmente em relação à ideologia pró-cura.
A noção de neurossociabilidade permite compreender como o sujeito
cerebral se torna um critério de agrupamento, isto é, como dá lugar à formação
de diversos grupos, sejam eles de portadores de alguma doença neurodegenerativa
e seus familiares, ou de indivíduos que se reúnem para testar
a sua performance cerebral, ou de grupos de autistas que usam o critério
cerebral para reclamar um acesso à cidadania que o modelo biomédico lhes
tinha negado. Um modelo de “subjetivade-objetiva”, que surgiu a partir de
uma ideologia reducionista e solipsista da compreensão da subjetividade e da
vida social, serve paradoxalmente para criar novas formas de subjetividade
e de sociabilidade que têm no cérebro a sua âncora.
Neuro-diversidade e neurociências
Acredito que esta descrição do sujeito cerebral e da neurocultura constitui
o pano de fundo para compreender a cerebralidade que está na base dos
movimentos da neurodiversidade. Para esses grupos, o cérebro vem se tornando
um critério biossocial de agrupamento fundamental. É nesse contexto
que podemos entender a própria noção de (neuro)diversidade. Se pararmos
para pensar, a junção destes dois termos, “neuro” e “diversidade”, não é
auto-evidente. A diferença e a singularidade são colocadas do lado cerebral.
Trata-se, como vimos, de uma naturalização da identidade. Mas como pode
ser o cérebro o lugar do diverso, da diferença? — podemos perguntar.
As pesquisas neurocientíficas — por exemplo, na área da psiquiatria
biológica (por ser esta a mais próxima do autismo) — não se caracterizam
precisamente pela busca de regularidades e constantes neuroanatômicas e
O sujeito cerebral e o movimento 494 da neurodiversidade
neurofisiológicas que permitem distinguir um cérebro autista, ou deprimido,
ou esquizofrênico de um cérebro normal, como mostram os estudos com
neuroimagem? Não se trata de localizar no cérebro as regiões responsáveis
pelos mais diversos estados mentais, normais ou patológicos? Ou seja, não
se considera o cérebro o lugar da identidade, das constâncias, das regularidades?
Nesse caso, não existiriam termos mais adequados para se pensar
a diversidade do que psico-diversidade ou mind-diversidade? Entenda-se
psico não em referência a qualquer teoria psicológica ou psicanalítica, dada a
aversão dos autistas a elas, mas no sentido de “mental”; porém, soa estranho
em português o termo mente-diversidade. Talvez pudéssemos pensar em
“diversidade mental” em oposição à “diversidade neural” ou à neurodiversidade?
Afinal, é do lado do mental que se torna possível imaginar o diverso,
o múltiplo, o singular, tantas formas de vida que a imaginação, a fantasia e
a criatividade consigam pensar. Do lado corporal (cerebral), o repertório de
possibilidades é finito. Tomo como exemplo a seguir o caso das modificações
corporais que tenho analisado em outro lugar (Ortega 2008).
Tatuagens, piercings, cutting, brainding, implantes subcutâneos, entre
outros, constituem tentativas de dar uma localização específica e corporal à
identidade subjetiva. A autenticidade, a realidade, a identidade e a autonomia
pessoal são colocadas no lado corporal. O desarraigamento social e a ausência
de vínculos simbólicos e de rituais coletivos que são próprios de nossas
sociedades contemporâneas — salientados por diversos sociólogos, filósofos e
historiadores — conduzem o indivíduo a se retrair em si e a fazer de seu corpo
um universo em miniatura, uma verdade de si e um sentimento de realidade
que a sociedade não consegue mais lhe fornecer.19 A modificação corporal
responde a um déficit identitário, constitui uma suplência de identidade, um
tipo de assinatura de si através da qual o indivíduo se afirma na identidade
escolhida, que difere daquelas que lhe são atribuídas pelo olhar do outro.
No entanto, o repertório que o indivíduo dispõe para criar uma identidade
corporal, naturalizada, é finito, dado pelos próprios limites de seu corpo.
Daí surgirem modificações cada vez mais radicais, que incluem a amputação
de diversos membros corporais, como no caso da apotemnophilia, ou o
desejo de ter várias partes do corpo amputadas. Chegará um momento em
que a superfície (ou o interior) do corpo estará completamente ocupada por
piercings e demais marcas corporais identitárias. Ao repertório limitado de
identidades corporais opõe-se a riqueza infinita da identidade psicológica ou
mental em função da própria imaterialidade do mental. Isto sem mencionar
o engodo psíquico que supõe localizar a identidade pessoal no corpo. Se o
que somos está exposto ao olhar do outro, somos privados da capacidade de
fingir, de dissimular, de esconder os sentimentos, as intenções, os segredos.
O sujeito cerebral e o movimento da neurodiversidade 495
Somos vulneráveis ao olhar do outro, porém, ao mesmo tempo, precisamos
de seu olhar, para sermos percebidos, senão não existimos.
O mesmo se aplica à busca da identidade e da diversidade do lado
cerebral. Em primeiro lugar, vale a pena fazer uma ressalva sobre o “boom”
recente de teorias, práticas e produtos que exploram a “neuroplasticidade”,
recorrente da descoberta da neurogênese em adultos.20 Embora a plasticidade
cerebral desloque para o pólo cerebral características como multiplicidade,
criatividade e singularidade,21 não acredito, todavia, que a plasticidade cerebral
leve a equiparar a potencialidade de possibilidades do mental com
o cerebral. Ela não substitui a potencialidade de expressões subjetivas do
mental. No fundo, os mais diversos estudos realizados com neuroimagem
vêm corroborar este raciocínio. A complexidade e a riqueza das experiências
mentais não são reduzíveis à simplicidade e à pobreza das redes neurais ou
das medidas neuroquímicas.
Para elucidar este ponto, tomo como exemplo os trabalhos de Newberg
e D’Aquili. Escaneando o cérebro de oito budistas americanos praticantes de
meditação tibetana e de três freiras franciscanas em oração contemplativa,
os autores pretendem mostrar que em ambos os grupos se observa aumento
de atividade neural no córtex pré-frontal e diminuição de atividade no lobo
parietal posterior superior (D’Aquili & Newberg 1999; Horgan 2003). Todavia,
caberia perguntar se esses dados, procedentes do pólo cerebral, fornecem
alguma informação importante sobre o pólo mental, para além do fato óbvio
(se não quisermos reeditar alguma versão do dualismo clássico) de que toda
a experiência mental (inclusive as espirituais) possui correlatos cerebrais.22
Podemos identificar a experiência espiritual de vazio, o Nirvana dos
budistas, com o sentimento de comunhão com o Deus das freiras? Seria
ingênuo se acreditássemos na identidade das duas. Obviamente, trata-se
de duas experiências subjetivas completamente diferentes, correspondentes
a duas visões de mundo, a concepções teológicas e espirituais diversas e
a contextos socioculturais distintos, ainda que possuam o mesmo correlato
neural. A riqueza e a diversidade do pólo mental (espiritual) perdem-se
na pretensa redução ao pólo material, cerebral. Trata-se de uma tradução
grosseira, simplificadora e ingênua.
Parafraseando o título do livro de William James, as “variedades da
experiência religiosa” não são traduzíveis à monotonia e à uniformidade
de seus correlatos neurais. Um único mecanismo neural não pode nem poderá
dar conta da totalidade e da diversidade das experiências espirituais.
Da mesma maneira, se pudessem ser delimitados os correlatos neurais da
depressão, isto indicaria alguma coisa acerca da experiência singular do
sujeito deprimido? Os cérebros deprimidos podem ser iguais, os sujeitos
O sujeito cerebral e o movimento 496 da neurodiversidade
deprimidos com certeza não o são. Acaso é a mesma coisa a experiência do
sujeito que está deprimido porque foi abandonado pela mulher, ou porque
perdeu o emprego, ou se sente atingido pela violência e pela desigualdade
da sociedade em que vive? Sem dúvida, não! Mas se o correlato cerebral
for o mesmo? Novamente encontramos a diversidade, a multiplicidade e a
heterogeneidade do lado mental oposta à simplicidade, à homogeneidade
e à uniformidade do lado cerebral. Ou vamos afirmar que é o mesmo cantar
funk, música sacra ou A Internacional, ainda que do lado cerebral a mesma
região esteja sendo ativada?
Assim, caberia perguntar se, ao apostar no pólo cerebral para defender
a diversidade de formas de vida, não estaria o movimento da neurodiversidade
se afastando da riqueza do mundo mental, no qual o que aproxima e
distancia os indivíduos são as visões de mundo, os ideais e as esperanças,
compartilhadas ou não? Não estariam apostando em uma diversidade que
no fundo é uma forma de homogeneidade, situando a própria diferença em
uma identidade naturalizada, marcada no cérebro e, como conseqüência,
de uma política da identidade? No fundo, o movimento posiciona na área do
“neuro” o que se costumava posicionar na área do mental e do social. Esse
deslocamento deve ser compreendido no contexto da ideologia do sujeito
cerebral, no qual o cérebro responde por tudo o que outrora costumávamos
atribuir à pessoa, ao indivíduo, ao sujeito. O cérebro vem se tornando, na
neurocultura, o ator social privilegiado. Com isso, obviamente não estou
defendendo uma visão que reative certo dualismo e dicotomias tradicionais,
privilegiando algum tipo de mentalismo como alternativa ao materialismo
cerebralista do sujeito cerebral. Mentalismo idealista ou materialismo subjetivista
são visões redutivas e simplificadoras da experiência humana.23
O movimento da neurodiversidade acolhe o paradigma construtivista
imperante nos “estudos sobre deficiência” (disability studies), segundo o qual
deficiência e doença não são fatos biológicos, mas construções socioculturais
que visam regulamentar os corpos e os cérebros (Davis 1995; Diniz 2007) —
uma posição que é compartilhada pela chamada “psiquiatria pós-moderna”,
crítica da substituição da compreensão sociocultural, política e religiosa
da doença mental pelo paradigma psicopatológico e neurocientífico. Ela
descarta qualquer dimensão cientificista da psiquiatria que procure correlações
entre transtornos mentais e lesões cerebrais (Brendel 2006). Resulta
paradoxal que, exatamente nesse modelo construtivista, a neurodiversidade
organize a identidade em torno de algo tão pouco construído e tão biológico
como é o cérebro. O cerebralismo da identidade e da sociabilidade representa
uma posição materialista que envolve uma naturalização extrema, ao contrário
da construção. Para o movimento da neurodiversidade, o cérebro não é
O sujeito cerebral e o movimento da neurodiversidade 497
uma construção social. Coexistem no movimento o impulso construtivista e
a naturalização identitária. Novamente se coloca o direito à diferença a par
com os predicados biológicos de uma identidade marcada no cérebro.
Rumo a uma política identitária
Com isso, entramos no último ponto que gostaríamos de abordar neste texto
e que constitui o maior desafio para os movimentos da neurodiversidade:
a tentação da “política identitária”. Ao colocar o direito à diferença do lado
biológico (cerebral), o movimento da neurodiversidade corre o risco de cair
em uma política identitária calcada em predicados naturais e que conduz a
uma redução da pluralidade à identidade, homogeneizando as diferenças
e suprimindo a singularidade dentro do próprio movimento. Sirva a advertência
que Agnes Heller fez acerca do movimento feminista radical quanto
ao perigo da homogeneização do grupo qua diferença: “Os que falam em
nome das mulheres se colocam no lugar de todas as mulheres, da metade da
humanidade, enquanto as mulheres podem ter, e de fato têm, aspirações totalmente
diferentes e imagens de si completamente divergentes; possivelmente
recusam a imagem prescrita por feministas radicais” (Heller 1995; Feher &
Heller 1994). Para dizer a verdade, nos debates entre os grupos pró-cura e
o movimento autista anticura, reconhecemos no tom, nos argumentos e na
pretensão de falar em nome de todos os autistas, a descrição que Heller faz
dos movimentos biopolíticos. “No discurso biopolítico”, escreve a filósofa
húngara, “os grupos autodefinidos determinam também as condições para
as contribuições dos outros. Um discurso que ‘desmascara’ outros discursos,
que trata com desconfiança o diferente, não é em realidade público. Todas
as raças e ambos os sexos encontram aqui sua própria verdade; e quanto
mais poderosos são seus lobbys mais enfaticamente tentam proclamar sua
verdade como incontestável e absoluta. As opiniões divergentes não são
aceitas, e as opiniões contrárias não são ouvidas” (Heller 1995).
Alguns teóricos dos “estudos sobre deficiência” vêm chamando a
atenção para o perigo de que a valorização de ser deficiente esteja relacionada
com a comparação e a hostilidade com os não-deficientes (Swain &
Cameron 1999) e, em face de uma idéia de comunidade fechada, calcada
em uma política identitária reducionista, propõem criar comunidades mais
abertas e democráticas (Corker 1999). Essa autocrítica foi feita recentemente
no interior do próprio movimento da neurodiversidade. Jim Sinclair
(2005) recriminou o preconceito de certos autistas contra os neurotípicos.
E a própria Judy Singer, que impulsionou e deu grande visibilidade ao moO
sujeito cerebral e o movimento 498 da neurodiversidade
vimento, reconheceu há pouco tempo que ele está caminhando para o “lado
escuro” da política identitária, com “sua eterna vitimização, infantilidade e
demanda por amor incondicional e aceitação sem uma auto-reflexão adulta
concomitante, um autocriticismo, uma medida de estoicismo e desejo de ver
luz e escuridão em si próprio, assim como no ‘Outro’”.24
Singer faz ao mesmo tempo uma outra crítica, fundamental para se
compreender o papel da ontologia do sujeito cerebral e da neurocultura nos
movimentos da neurodiversidade. O cerebralismo da identidade é assumido,
como vimos, sem questionamento pelo movimento. A ativista australiana
ressalta que a chamada revolução neurocientífica não traz apenas vantagens
e que os autistas precisam ter uma visão mais equilibrada sobre o impacto
das neurociências na vida e no destino das pessoas, autistas ou não. Estamos
dispostos a pagar o preço exigido por nos definirmos cerebralmente?
O sujeito cerebral não sugere apenas a idéia de conexões cerebrais diferentes
e atípicas, que não devem ser “patologizadas” nem normalizadas, mas sim
ele implica formas de subjetivação, isto é, relações consigo mesmo e com
os outros enquanto sujeitos cerebrais.25
Este fato remete a visões reducionistas e empobrecidas da vida subjetiva
e relacional, segundo as quais o cérebro responde por tudo o que outrora
costumávamos atribuir ao indivíduo, ao ambiente e à sociedade, com
conseqüências severas em diversas esferas socioculturais e clínicas. Entre
elas, estão o perigo das políticas identitárias reducionistas e as explicações
da depressão e de outros transtornos e doenças mentais em termos exclusivamente
cerebrais, fornecidas pela psiquiatria biológica aliada à indústria
farmacêutica, ignorando-se os fatores ambientais e sociais. É preciso saber
se queremos pagar esse preço.
Considerações finais
Tentei neste artigo mostrar alguns dos desafios que se apresentam aos movimentos
da neurodiversidade. Meu objetivo principal não era tomar partido
a favor ou contra os grupos pró ou anticura, pois acredito que ambos têm as
suas razões. Os primeiros, ao criticarem as políticas identitárias agressivas
praticadas por ativistas radicais do movimento autista e que se propõem a
falar em nome de todos os autistas.26 Os ativistas autistas são freqüentemente
autistas de “alto funcionamento”, em geral Aspergers, que se outorgam
o direito de se manifestarem em nome de todos os autistas, o que causa
irritação nos pais de filhos autistas de “baixo funcionamento”, com grave
atraso físico e mental. Obviamente seria hipocrisia subsumir todas as formas
O sujeito cerebral e o movimento da neurodiversidade 499
de autismo ao “alto funcionamento”, para depois dizer que autismo é um
estilo de vida. O movimento da neurodiversidade é minoritário no espectro
total do autismo. Muitos autistas não possuem nem a capacidade cognitiva
de falar o que pensam ou sentem, quanto mais de se organizarem política
e comunitariamente. Os ativistas autistas, por sua vez, têm suas razões de
temer políticas igualmente agressivas que incluam testes genéticos capazes
de possibilitar o aborto de fetos autistas, bem como a imposição de ideais e
padrões de normalidade cerebral que redundem em terapias e na obrigação
de serem “curados”.
Se o autismo é um espectro, não pode ser tratado como uma entidade
nosológica fechada. Seu alcance e seus limites exigem uma constante negociação
pública. Qualquer decisão acerca de um ponto de corte ao longo do
espectro do transtorno autista será sempre arbitrária, resultado de interesses
e lobbys de determinados grupos. Não existem até hoje critérios objetivos
que permitam estabelecer um ponto de corte no espectro, a partir do qual os
indivíduos possuiriam ou não uma “teoria da mente” (Baron-Cohen 1995;
Frith 1991) ou as “condições de personalidade” (selfhood) (Glannon 2007)
necessárias para que sejam tomadas decisões objetivas acerca da imposição
de terapias ou testes genéticos e para a atribuição de autonomia e responsabilidade
por suas ações aos indivíduos diagnosticados como autistas.
Queria apenas apresentar esses impasses e embates no seio da neurocultura,
no qual o movimento da neurodiversidade é uma manifestação, e
mostrar como uma ideologia solipsista, reducionista e cientificista — como
é o sujeito cerebral — pode servir de base para a formação de identidade e
de redes de sociabilidade e comunidade. Poderíamos parafrasear Foucault
e afirmar que todo dispositivo de saber-poder é um mecanismo de assujeitamento,
mas ao mesmo tempo abre a possibilidade da resistência. O desafio do
movimento da neurodiversidade oscila entre a aposta em políticas identitárias
que são meros epifenômenos do sujeito cerebral ou procurar alternativas
para esta ideologia simplificadora da vida subjetiva e relacional.
Recebido em 19 de janeiro de 2007
Aprovado em 15 de janeiro de 2008
Francisco Ortega é professor adjunto do Instituto de Medicina Social, UERJ.
E-mail: <fjortega2@gmail.com>
O sujeito cerebral e o movimento 500 da neurodiversidade
Notas
1 http://en.wikipedia.org/wiki/Neurodiversity (acessado em 01/12/2006).O mais
famoso é http://www.neurodiversity.com (acessado em 01/12/2006).
2 Ver a introdução de “Autistic Pride Day” em Wikipedia: http://en.wikipedia.
org/wiki/Autistic_Pride_Day (acessado em 16/06/2007).
3 Resulta sintomático que, em um especial dedicado ao autismo, a revista EPOCA
tenha apresentado apenas a visão pró-cura e pró-terapia cognitiva do transtorno.
Ver Nogueira, 2007.
4 Para entender o debate e as posições em jogo, ver o excelente verbete “Autism
rights movement” em Wikipedia, op.cit.
5 “Curebie” é um termo criado pela comunidade autista para descrever e criticar
aqueles que pretendem desesperadamente curar o autismo. É um termo de difícil tradução,
que poderia ser vertido como “obcecado pela cura” (Weintraub s/d). Ver http://www.
urbandictionary.com/define.php?term=curebie (acessado em 30/09/2007).
6 Esta posição foi consensual na psicanálise americana entre os anos de 1940
e 1960, identificada fundamentalmente com as figuras de Leo Kanner e Bruno Bettelheim.
Sirva como exemplo a seguinte frase lapidar de Bettelheim no seu famoso
A fortaleza vazia (The empty fortress): “Eu mantenho minha crença de que o fator
precipitante no autismo infantil é o desejo dos pais de que seu filho não deveria
existir” (Bettelheim 1967:125). Ver também Pollack 1997.
7 Uma lista de artigos de Michelle Dawson encontra-se em http://neurodiversity.
com/dawson.html (acessado em 1/04/2007).
8 Sobre o caso Auton vs. British Columbia, ver a série de matérias e artigos em:
http://neurodiversity.com/auton.html (acessado em 1/04/2007). Um bom resumo
do caso oferece a seguinte entrada de Wikipedia: http://en.wikipedia.org/wiki/Auton_%
28Guardian_ad_litem_of%29_v._British_Columbia_%28Attorney_General%29
(acessado em 10/06/2007) . Ver também Baker 2006; Harmon 2004c; Feinberg & Vacca
2000; Newschaffer & Curran 2003.
9 O DSM (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders) da Associação
Psiquiátrica Americana é o sistema diagnóstico mais utilizado nos Estados Unidos,
encontrando-se atualmente na 4ª. edição (1994). Esse sistema é consistente com a
CID (Classificação Internacional das Doenças, da Organização Mundial de Saúde —
OMS), que se encontra na 10ª. edição.
10 “Os pais são retratados como controladores enlouquecidos, egoístas e perfeccionistas
(espectros das ‘mães geladeiras!’) e os profissionais que devotaram suas
O sujeito cerebral e o movimento da neurodiversidade 501
vidas para ajudar nossos filhos são descritos como frios manipuladores e abusadores
infantis”, escreve Kit Weintraub (2005) em relação aos movimentos de autistas.
11 http://isnt.autistics.org
12 Sirva como exemplo o depoimento relatado no artigo de Harvey Blume
(1997) acerca de uma mulher com autismo: “Depois de passar ‘... sua adolescência
em um estado clínico suicida-depressivo devido ao abuso sofrido e ao sentimento de
ser uma fracassada ou insana por ser diferente’, ela encontrou sua opinião ‘apenas
reforçada pelo psicoterapeuta, ao qual fui encaminhada, que decidiu que todos os
meus problemas tinham que ser o resultado de uma ‘repressão sexual’. Ela se declara
orgulhosa de si mesma por ter ‘ido embora após seis sessões’ e concluí que ter sido
diagnosticada como autista ‘foi a melhor coisa que já me aconteceu’”.
13 A comunidade científica defende atualmente os seguintes fatores causais na
etiologia do autismo: predisposição genética, explicações neuroquímicas, explicações
baseadas em vacinas, toxinas ambientais e teorias nutricionais (Feinberg & Vacca
2000:131).
14 Uso o termo em sentido mais amplo que o de Paul Rabinow (1992), que o
utiliza para analisar as implicações socioculturais e políticas da genética e do projeto
Genoma. Para o antropólogo americano, a genética deixará de ser apenas uma metáfora
biológica para descrever o social, levando à formação de identidades e práticas
sociais. No texto, uso o conceito de Rabinow, sublinhando o elemento dos processos
de subjetivação, mas sem limitá-lo especificamente à genética, estendendo o uso a
diferentes formas de subjetividade biológica ou somática presentes nas sociedades
contemporâneas, incluindo o sujeito cerebral. O termo é usado para definir uma
forma de sociabilidade contemporânea, na qual a vida psíquica é descrita segundo
predicados corporais, como se depreende do vocabulário fisicalista utilizado na descrição
de crenças e sentimentos, levando à constituição de identidades somáticas
que deslocam concepções psicológicas e internalistas de pessoa.
15 A bibliografia sobre o tema é imensa. Ver, entre outros, Ackerman 2006;
Dumit 2003, 2004; Ehrenberg 2004; Illes 2006; Healy 2002; Joyce 2005; Rodriguez
2006; Rose 2005, 2006; Valenstein 1998; Russo & Venâncio 2006; Russo 2005; Russo
& Henning 1999.
16 Ver, www.buzanworld.com/biography.html (acessado em 3/06/2006); Verbete
“Tony Buzan” in Wikipedia, http://en.wikipedia.org/wiki/Tony_Buzan (acessado em
3/06/2006).
17 http://www.braingle.com/community/index.php (acessado em 5/06/2006).
18 A lista de organizações e grupos de auto-ajuda e auto-advocacia em diferentes
países e continentes é enorme. Basta buscar no Google grupos de auto-ajuda
e auto-advocacia para as diferentes doenças e transtornos para aparecer uma lista
imensa de associações.
O sujeito cerebral e o movimento 502 da neurodiversidade
19 É necessário fazer aqui uma ressalva metodológica em relação à aplicação
que se faz neste texto do conceito de “indivíduo” e também daqueles de “pessoa”
e “sujeito”, que não devem ser entendidos em um sentido universal e a-histórico.
O “indivíduo” não é a priori uma categoria universal e a-histórica, independente dos
diferentes processos de individuação e de produção do “indivíduo” contemporâneo,
entendido como radicalização das formas ocidentais modernas de produção de indivíduos
singularizados e naturalizados, tal como é analisado, entre outros, por Louis
Dumont (1985), Foucault (1976, 1984a, 1984b), Charles Taylor (1989), Norbert Elias
(1995) Alan McFarlane (1992). Entendo “pessoa”, por sua vez, no sentido proposto
por Marcel Mauss (2003) no seu célebre ensaio, isto é, como uma construção histórica
e social. Finalmente, uso sujeito e, por derivação, “sujeito cerebral” no sentido dado
por Foucault na sua história da subjetividade (Foucault, 1976, 1984a, 1984b; Ortega
1999) como uma categoria historicizada e cuja ênfase recai precisamente nas formas
e nos processos de subjetivação e nas tecnologias do self usadas pelos indivíduos
para a formação de diferentes “subjetividades”. Existiriam assim diferentes formas
de subjetividade, tipos de “sujeito” na história da subjetividade, entre elas, o “sujeito
cerebral” das sociedades contemporâneas.
20 A bibliografia é imensa e não pára de crescer. Ver, entre outros, Li 2003;
Sailor, Ming & Song 2006; Schwartz & Begley 2002; Stahnisch 2003; Weiller & Rijntjes
1999.
21 Um exemplo deste deslocamento é o livro de Ansermet & Magistretti (2004),
no qual o conceito de plasticidade denota o caráter aberto à mudança e a contingência
das redes neuronais, possibilitando uma aproximação entre psicanálise e
neurociência.
22 Embora menos relevante para o argumento que estou lançando aqui, vale a
pena ressaltar que, mesmo do lado dos correlatos mentais, os dados experimentais são
contraditórios. Por exemplo, um estudo dinamarquês feito com indivíduos meditando
mostrou um resultado oposto ao de Newberg & D´Aquili, isto é, aumento de atividade
nos lobos parietais e diminuição nos frontais. Ver Andreson 2000.
23 Em outro contexto (Ortega 2008), usei o termo “corpo fenomenológico”
para ressaltar uma dimensão da corporeidade, a qual não é reduzível nem ao corpo
anatomofisiológico, isto é, ao conjunto das trocas metabólicas com o ambiente que
têm como objetivo a auto-regulação dos indivíduos e a continuidade da espécie,
nem ao corpo como discurso ou construção simbólica. Esta dimensão está presente,
entre outros, na fenomenologia corporal de Husserl, Merleau-Ponty, Erwin Strauss,
Samuel Todes, Drew Leder, no pragmatismo de William James e John Dewey, na
antropologia do “embodiment” de Csordas e outros, na psicanálise winnicottiana,
ou nas posições ecológicas de Gibson e Reed. Todas elas enfatizam a participação
do ambiente na constituição do eu corporal, afirmando o vínculo intencional com
o meio, a simultaneidade e a congenialidade das experiências do eu e do mundo,
a indissolubilidade do corpo e do ambiente. Nessa perspectiva, não existe divisão
mente/corpo, mente/cérebro, subjetivo/objetivo. Físico e mental não são entidades
metafísicas ou ontológicas estranhas entre si; são expressões diversas de um mesO
sujeito cerebral e o movimento da neurodiversidade 503
mo corpo em contextos ambientais diferentes. Obviamente, existe uma diferença
fenomênica entre o físico e o mental. Ao final, conseguimos distinguir coisas físicas
de eventos mentais. Mas não se trata de uma diferença ontológica, não são propriedades
intrínsecas de determinados eventos e sim descrições operacionais que
designam uma determinada relação com o ambiente. No caso dos movimentos da
neurodiversidade, não acredito que a solução esteja em trocar de nome e buscar a
diversidade no que concerne ao mental. Quis apenas, por motivos didáticos, mostrar
como “fenomenicamente” (e não ontologicamente, pois esta clivagem mental/cerebral
é ilusória) o pólo mental possui uma multiplicidade dada pela imaterialidade que o
pólo cerebral não possui, sem esquecer, claro, a unidade ontológica mente/corpo e
sua congenialidade com o ambiente.
24 Singer (2007). Sou muito grato a Enrico Valtellina por ter chamado a minha
atenção para este texto, fundamental para meu argumento.
25 Como já foi assinalado, a noção de neurossociabilidade permite compreender
como o sujeito cerebral se torna um critério de formação de subjetividade e de
agrupamento, isto é, de relações consigo e com os outros enquanto sujeitos cerebrais.
Essas relações se produzem, como vimos, pela incorporação na vida dos indivíduos
de “fatos objetivos” sobre si mesmos — seus corpos, mentes e cérebros — assim como
pelo arsenal de produtos neuroascéticos produzidos pelas neurotecnologias e pelas
diversas associações e movimentos de doentes e seus familiares, competições que
testam a performance cerebral, entre outros.
26 Justiça seja feita, a autocrítica está começando a ser realizada no seio do
movimento da neurodiversidade.
O sujeito cerebral e o movimento 504 da neurodiversidade
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O sujeito cerebral e o movimento da neurodiversidade 509
Resumo
Este artigo analisa o movimento da neurodiversidade
organizado basicamente
por autistas chamados de alto funcionamento
que consideram que o autismo
não é uma doença a ser tratada, mas
uma diferença humana, a qual deve
ser respeitada como outras diferenças.
O movimento da “neurodiversidade” deve
ser inserido em um marco sociocultural
e histórico mais amplo que incorpore o
impacto crescente no imaginário cultural
dos saberes e das práticas neurocientíficas
com o paradigma do sujeito cerebral e a
expansão da neurocultura. No contexto do
sujeito cerebral, o cérebro responde por
tudo o que outrora costumávamos atribuir
à pessoa e vem se tornando um critério
biossocial de agrupamento fundamental.
O artigo mostra como uma ideologia
solipsista, reducionista e cientificista –
o sujeito cerebral – pode servir de base
para a formação de identidade e de redes
de sociabilidade e comunidade.
Palavras-chave Neurodiversidade, Sujeito
cerebral, Autismo, Classificações
psiquiátricas
Abstract
This article analyzes the neurodiversity
movement, organized mostly by
so-called high-functioning autists, who
consider that autism is not a disease to
be treated, but rather a human difference
that should be respected alongside
other differences. The “neurodiversity”
movement must be set within a wider
sociocultural and historical field that
incorporates the growing impact of
neuroscientific knowledge and practices
in the cultural imagination with the
paradigm of the cerebral subject and
the expansion of neuroculture. In the
context of the cerebral subject, the brain
accounts for all that we used to attribute
to the person, and it is becoming a fundamental
criterion for biosocial grouping.
The article shows how a solipsist,
reductionist and scientificist ideology –
the cerebral subject – can act as the
basis for the formation of identity and
networks of sociability and community.
Key words Neurodiversity, Cerebral subject,
Autism, Psychiatric classifications
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